Prólogo:
Não vou levantar os vários pontos positivos sobre esta página, pois já foram todos colocados (alguns bem, outros não tão bem assim).
Já de antemão vou deixar claro que não defendo o atual sistema de ensino brasileiro e também não defendo algumas das críticas apresentadas nesta página, mas acredito na superação deste atual modelo de sociedade (e sua concepção de educação) e conseqüentemente acredito na superação do atual modelo de escola no Brasil.
Minhas análises sobre esta página são direcionadas especialmente aos seus “curtidores”, e seus respectivos comentários, e não necessariamente a Isadora ou aos professores e gestores da escola onde estuda.
Outro ponto que gostaria de deixar claro é que compreendo a situação da Isadora enquanto uma adolescente (criança) de 13 anos de idade que enxerga a educação da perspectiva de uma adolescente (criança) de 13 anos de idade (por enquanto). Portanto não a critico em suas postagens, mas creio que necessite de esclarecimentos sobre educação.
Que a escola pública no Brasil está caindo aos pedaços, que sofre com a falta de professores, de funcionários e de mais uma série de outros recursos materiais, humanos, políticos, financeiros e de formação, é um fato bastante visível! Só não vê isso quem realmente não quer ou é um completo alienado às várias realidades do Brasil. Porém o grande problema não é as pessoas que não querem ver ou os alienados. O maior problema está nas pessoas com perigosas concepções de educação sem fazer um exercício reflexivo mais profundo sobre “o quê é”, “para quem é” e “para quê é” a educação. Claro que isso requer certo tempo de estudo e reflexão sobre educação, mas é completamente possível ser feito por qualquer pessoa... E detalhe, não precisa necessariamente fazer faculdade de pedagogia para isso, e até mesmo porque existem cursos péssimos de pedagogia por aí... Há uma série de recursos que podem proporcionar esses estudos (livros, revistas, fóruns de discussão, blogs, páginas na web, grupos de estudos nas universidades, etc). E o foco da discussão não deve ser necessariamente a escola ou a educação, mas as políticas públicas que a norteiam, a organização social e principalmente a organização produtiva no Brasil.
Obviamente que por mais visível que seja essa situação, compreendo que esta questão deve ser sim colocada em discussão, mas que isso seja feito de maneira mais fundamentada e aprofundada (ou que pelo menos tente fugir o máximo possível do "senso comum"). Muitos desses “curtidores” demonstraram ser bastante incoerentes quanto às concepções de educação e sociedade, e que a escola deve ser um espaço de doutrinamento, de punição, de depósito de crianças, de submissão, de subordinação, ao mesmo que há a crença na ascensão social através da escola (que é inteligentemente refutada por Bourdieu)...
A questão que a menina Isadora levanta é um pouco perigosa da maneira que está sendo feita, pois deixa a impressão de que os "culpados" pela escola pública estar como está, são os servidores (professores, merendeiros, inspetores, gestores) e/ou os próprios estudantes. Isso é perigosíssimo! Vide os comentários dos seus “curtidores”: “porque os alunos não dão valor”; “serão todos marginais”; “existem alunos bons e alunos ruins”; “professor só reclama”; “a direção não faz nada pra mudar”, há um maniqueísmo bem perigoso nesses discursos... É preciso realizar um exercício reflexivo bastante profundo para identificar o verdadeiro "culpado" pela escola ser o que ela é hoje. A escola é só um elemento dentro da rede de ensino/educação (assim como esta rede é parte de uma maquinaria governamental e estatal). Além das escolas existem as secretarias municipais, as regionais, estaduais, organizados de maneiras bastante complexas e sombrias quanto às relações que as subjazem, e que, além disso, estão inseridas em uma sociedade capitalista neoliberal muito bem definida quanto suas características, valores e concepções. Ou seja, a escola não está isolada do mundo, isolada da sociedade, e reflete isso nas relações internas a ela.
A crítica levantada aos professores eventuais deve ser esmiuçada e não se prender apenas ao fato de que alguns apresentam déficit ou não, se controlam a turma ou não, até porque “controle” é uma palavra muito autoritária e violenta. Prefiro o diálogo, o acordo, exercício do respeito mútuo, o respeito às diferenças e singularidades. O problema da formação de professores no Brasil é político, de políticas públicas para a educação. Faltam políticas públicas de formação de professores, principalmente nos cursos de formação de professores das instituições privadas de ensino superior que tem um fundo totalmente mercadológico de qualidade (que é bastante questionável) de ensino. E os cursos de formação das instituições públicas de ensino superior (que são referência em termos de formação e produção de conhecimento em educação no país), cada vez mais, sofrem ataques e retrocessos em suas estruturas por diversas instâncias da organização social e política do Brasil. Vide a greve de professores das universidades federais.
Compreendo e é justificável a indignação de muitos professores/gestores ao criticarem a atitude/intenção de Isadora com esta página. Talvez, alguns professores acabaram se deixando levar pelo impulso do "estou tentando fazer o melhor que posso" tendo a melhor das intenções, e se sentiram um pouco "chateados" com uma crítica desse tipo, afinal antes de serem professores são seres humanos (sujeitos a erros, sentimentos – bons e ruins –, diferentes percepções, singularidades). Mesmo que muitas vezes "a melhor das intenções" não é necessariamente a melhor para todos. Assim como a iniciativa de criar o Diário de Classe teve/tem a melhor das intenções. Novamente, o que é exposto deixa a impressão que os professores são ruins/maus/ditadores por definição e que não há comprometimento por parte deles com a educação, o que acaba dando margem para se discutir de forma bastante superficial e pontual sobre as condições de trabalho, salários, assédios, o processo de adoecimento que os professores vêm passando (seja por alunos, por pais, por gestores, por legisladores, prefeitos e demais figuras que compõem a sociedade). Isso fica evidente em alguns dos comentários dos seus “curtidores”. Atualmente o Estado de São Paulo – com aproximadamente 250 mil professores – possui a maior rede de ensino público do país e registra em torno de 30 mil faltas por dia. Será que o motivo é conjuntivite ou um mal-estar qualquer? Ou é por que existe uma doença pouco famosa entre a sociedade chamada Síndrome de Burnout, que atinge principalmente professores e mais uma série de outras doenças, principalmente de ordem psiquiátricas? Só no ano de 2006, foram quase 140 mil licenças médicas, com duração média de 33 dias... Então, será que tem algo errado com o professor ou com as condições de trabalho deste professor proporcionadas pelas políticas públicas para a educação e estruturação da carreira docente? É delicada essa questão... Assim, uma solução para este problema é a que muitos ex-professores colocaram na página: “desisti de ser professor e mudei de profissão”. Mas será que isso é resolver o problema da educação? Acho que não...
Assim, em consequência do que foi exposto no parágrafo anterior, este tipo de atitude pode aumentar o mal-estar já existente (por uma série de fatores: idade, diferenças culturais, relações de poder, diferenças sociais, conservadorismo) entre as várias categorias que permeiam o espaço escolar gerando-se ainda mais distanciamentos (principalmente políticos), quando deveriam existir atitudes que contribuíssem para o fortalecimento da união destas categorias por uma educação pública de qualidade (na minha concepção, uma educação que ensine português, matemática, ciências e tudo mais, mas principalmente ensine senso de coletividade, de direito, de cidadania, de emancipação política, de solidariedade) em toda a sua estrutura de organização e finalidade.
É preciso cuidado ao discutir a questão da menina que entrou com uma arma na escola. Confesso que fiquei bastante chocado. Muitos curtidores e a própria autora do diário querem que a escola aplique punições à menina? Isso é um problema social e não apenas da escola. E isso gera um pressuposto para que as pessoas tratem alguns alunos como completos bandidos sem ao menos tentar entender o que está por trás de tudo isso, o seu contexto social e econômico! Novamente, a escola não está isolada do mundo. Está inserida na sociedade e ela reflete muitos problemas que não são da escola, mas da própria sociedade.
Como considerações finais, acredito ser bastante pertinente essa discussão ser levantada, mas é preciso tomar cuidado para quais caminhos ela se direcionará. O problema da educação pública não é pontual, ou seja, não está apenas dentro da escola. Ele permeia por instâncias de questões econômicas, sociais e principalmente políticas. E os aproximadamente 300 mil "Curtidores" associados aos comentários que eu mesmo li nesta página, dão um panorama sobre as possíveis várias concepções de educação que a sociedade como um todo adota (conscientemente ou não) quando discute educação. Panorama que analiso como bastante assustador.
Que essa exposição seja apenas um pressuposto para se discutir mais aprofundadamente a questão das políticas públicas para a educação no Brasil.
Saudações Educacionais!